Morte ao mochilinha
Um pária que está sempre pronto a deixá-lo na mão
Muita coisa pode fazer um peladeiro querer acabar com o jogo imediatamente. Você está tomando de goleada. Seu time se arrasta com um a menos porque o Jair teve que levar o filho para o hospital de última hora. Ou a Dirce foi na depilação de tarde e você está louco para ver o layout. Um dos goleiros deu cano e você é o próximo a catar no gol. Ou mesmo o gaúcho que faz o churrasco lá fora é bom para caramba. São todos motivos fortes, mas jamais suficientes. Pois, se você é um boleiro de caráter, não pode decretar o fim do jogo antes da hora só porque deu uma vontadinha. Nunca. Quem faz isso é um frouxo. Ou um “mochilinha”.
O mochilinha é um tipo detestável e, por desgraça, corriqueiro no universo das peladas. Via de regra, foi um moleque que teve tudo na vida: autorama, videogame, primas gostosas, casa na praia, mãe perua, Disney todo ano, roupa de marca, carrão no primeiro ano da faculdade… Algumas coisas que ele faz em campo revelam seu jeito mimadinho de ser. Ele dá um migué na hora de revezar com quem está de fora. Lateral é sempre para o time dele. Ele tem certeza de que estava melhor colocado e deveria ter recebido aquela bola que você chutou para o gol. Ele grita “chupa!” quando marca. Tem grana e atrasa a mensalidade. E reclama direto com o coitado do goleiro.
E o mochilinha tem um limite, um deadline nervoso que, quando atingido, o faz abandonar a partida — uma falta que sofre, um gol a mais que toma, uma bola que não recebe, ou alguém que não marcou o adversário que ele ordenou. O sujeito conclui que joga muito mais que os outros, que seu time é uma cambada de burros, que estão todos conspirando contra ele, e aí explode: “Não jogo mais nessa porcaria. Fica aí que eu tô fora”. E, com o jogo em andamento, ele sai, pega a mochila, abre o portão e vai embora. Ignora os pedidos gerais para que reconsidere e vai sumindo rumo ao estacionamento e, dali, para casa. É por demais covarde para entrar no vestiário. Sabe que, se for tomar banho, vai ter que se explicar por ter estragado a diversão dos demais. “O Marcão é um fominha. O Laércio não marca ninguém. O Abud é um frangueiro.” Ele não é homem suficiente para falar isso na cara.
Porque muitas vezes falta quórum, ou porque somos uns bananas mesmo, corações de manteiga, muitas vezes o mochilinha não sofre a sanção que merece — que é a expulsão pura e simples da nossa pelada. E acaba voltando. Sem um mísero pedido de desculpas. No máximo, dá uma maneirada na reclamação. Mas não por muito tempo. O mochilinha logo estará pronto para azedar nossa alegria de novo. Como diz meu amigo Léo, o mochilinha é, em sua essência, um baita mala.
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Maurício Barros é redator-chefe das revistas PLACAR e RUNNER’S WORLD, da Editora Abril, e fica em campo até o último refletor se apagar.
Fonte: http://vip.abril.com.br/blogs/futebol-de-rua/2011/06/08/morte-ao-mochilinha/
Alguém, depois de ler este texto se identificou, ou lembrou de algum "mochilinha"!! Esta é a nossa graça, futebol em toda esqueina, sempre belas histórias regadas a cerveja gelada...
Muita coisa pode fazer um peladeiro querer acabar com o jogo imediatamente. Você está tomando de goleada. Seu time se arrasta com um a menos porque o Jair teve que levar o filho para o hospital de última hora. Ou a Dirce foi na depilação de tarde e você está louco para ver o layout. Um dos goleiros deu cano e você é o próximo a catar no gol. Ou mesmo o gaúcho que faz o churrasco lá fora é bom para caramba. São todos motivos fortes, mas jamais suficientes. Pois, se você é um boleiro de caráter, não pode decretar o fim do jogo antes da hora só porque deu uma vontadinha. Nunca. Quem faz isso é um frouxo. Ou um “mochilinha”.
O mochilinha é um tipo detestável e, por desgraça, corriqueiro no universo das peladas. Via de regra, foi um moleque que teve tudo na vida: autorama, videogame, primas gostosas, casa na praia, mãe perua, Disney todo ano, roupa de marca, carrão no primeiro ano da faculdade… Algumas coisas que ele faz em campo revelam seu jeito mimadinho de ser. Ele dá um migué na hora de revezar com quem está de fora. Lateral é sempre para o time dele. Ele tem certeza de que estava melhor colocado e deveria ter recebido aquela bola que você chutou para o gol. Ele grita “chupa!” quando marca. Tem grana e atrasa a mensalidade. E reclama direto com o coitado do goleiro.
E o mochilinha tem um limite, um deadline nervoso que, quando atingido, o faz abandonar a partida — uma falta que sofre, um gol a mais que toma, uma bola que não recebe, ou alguém que não marcou o adversário que ele ordenou. O sujeito conclui que joga muito mais que os outros, que seu time é uma cambada de burros, que estão todos conspirando contra ele, e aí explode: “Não jogo mais nessa porcaria. Fica aí que eu tô fora”. E, com o jogo em andamento, ele sai, pega a mochila, abre o portão e vai embora. Ignora os pedidos gerais para que reconsidere e vai sumindo rumo ao estacionamento e, dali, para casa. É por demais covarde para entrar no vestiário. Sabe que, se for tomar banho, vai ter que se explicar por ter estragado a diversão dos demais. “O Marcão é um fominha. O Laércio não marca ninguém. O Abud é um frangueiro.” Ele não é homem suficiente para falar isso na cara.
Porque muitas vezes falta quórum, ou porque somos uns bananas mesmo, corações de manteiga, muitas vezes o mochilinha não sofre a sanção que merece — que é a expulsão pura e simples da nossa pelada. E acaba voltando. Sem um mísero pedido de desculpas. No máximo, dá uma maneirada na reclamação. Mas não por muito tempo. O mochilinha logo estará pronto para azedar nossa alegria de novo. Como diz meu amigo Léo, o mochilinha é, em sua essência, um baita mala.
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Maurício Barros é redator-chefe das revistas PLACAR e RUNNER’S WORLD, da Editora Abril, e fica em campo até o último refletor se apagar.
Fonte: http://vip.abril.com.br/blogs/futebol-de-rua/2011/06/08/morte-ao-mochilinha/
Alguém, depois de ler este texto se identificou, ou lembrou de algum "mochilinha"!! Esta é a nossa graça, futebol em toda esqueina, sempre belas histórias regadas a cerveja gelada...
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